De Richthofen a Nardoni

A violência aflora de tempos em tempos para nos despertar de uma realidade, quase subestimada em relação às barbáries que a humanidade é capaz de produzir. Geralmente, provocando profundo impacto público, certos crimes nos remetem a um sentimento de igualdade, quando a identificação com o sofrimento alheio nos obriga a tomar em relação ao próximo sentimentos genuínos de solidariedade.

Se a dor do outro nos comove, a dimensão do homem deixa de ocupar as esferas individuais para integrar a dimensão coletiva, cuja finalidade gregária encontra na cooperação o sentido principal para a manutenção do corpo social.

Há muito, certos sintomas denunciam que a sociedade adoeceu. Em maior ou menor grau, a violência se estabelece como patológica dentro de um organismo que pulsa diversas vertentes que a propiciam. Entre elas, a distinção entre indivíduos, oriunda de um sistema neocapitalista que, por essência, promove graves desigualdades.

O caso Isabella Nardoni ilustra, não apenas que o brasileiro se comove com o seu semelhante, mas o desejo de que não seja mais um em que a mão da Justiça negligencie, perante a lei, a igualdade penal entre ricos e pobres.

Assim como o caso de Suzane Richthofen e do adolescente que ateou fogo naquele índio em Brasília, o julgamento do caso Isabella nos coloca face a face com a frieza, a crueldade e a violência de uma delinqüência abastada e bem suprida.

Os bons advogados que assistem a causa tendem a transformar a verdade num jogo de erros e contradições, gerando a sensação de que a justiça pende num corpo frágil de hipóteses fragmentadas e focalizadas na perspectiva de quem defende ou acusa. Assim funciona o universo do direito penal, sendo um deserto abastecido pela comoção do júri, pela fragilidade da verdade e pela necessidade de inocentar ou condenar.

O conteúdo da verdade não está num manuscrito, sendo cego o olhar para o que esta característica implica. É o que retira da espada dos Tribunais o derradeiro equilíbrio entre a aplicabilidade da lei, o delito e a sentença.

Mas se outrora, o delito era prática localizada nas classes menos favorecidas, hoje se verifica o crime hediondo associado às pessoas bem sucedidas. Apesar de vivermos acirrada desigualdade econômica, que ambienta o direito numa desigualdade de sentenças, a violência produz vítimas em todas as classes e iguala os Nardoni em relação à tragédia das inúmeras isabellas, vítimas anônimas que morrem pela crueldade dos homens ou pelo abandono estatal.

Embora os réus estejam bem representados e o Ministério Público empenhado em provar a culpabilidade, nada ameniza o sofrimento do olhar inocente que se perdeu. O clamor de justiça a que alude este julgamento parece apelar muito mais para a reintegração do homem com a fraternidade do que com o necessário desejo de punição.

Choremos sim, pela morte da pequenina Isabella, e por todas as outras crianças, vítimas da violência cotidiana. E possa esta dor provocar em nós, um instinto maior que prime pela valorização da vida em escala crescente e coletiva.

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