Entrevista: Deborah Col Costa (Artista plástica)


Perfil do entrevistado:

Formada pela Escola de Belas Artes do Estado do Rio de Janeiro, Deborah também freqüentou a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, a Faculdade de Arquitetura Benett, realizou trabalhos no ateliê de artistas consagrados como Ana Bella Geyger, Januário Garcia e desenvolveu além da pintura outras técnicas como fotogravura, gravura em metal e escultura viabilizando uma multiplicidade de linguagem que, a priori, fazem de Deborah Col Costa uma artista cujo talento transita sobre as mais variadas formas de expressão.

Há quinze anos adotou Cachoeiras de Macacu como um refúgio que segundo ela, permitiu explorar o lado expressionista incorporado à sua pintura, mas o que resume como contribuição de maior grandeza foi o fato de a cidade lhe proporcionar o grande encontro com o sagrado, acontecimento marcante para a sua trajetória de vida e resultante numa fase em que o eco da natureza ganha maior expressão na essência de suas telas.

Pessoa de muita crença na nobreza da alma humana, Deborah é um desses raros artistas que ainda aposta na virtude e no belo enquanto dons que Deus permitiu ao homem, além de contemplá-los tenta reter, na tinta, a comoção proveniente do seu agudo foco, e como se pudesse multiplicar a sintonia com a evolução das coisas suas obras passam adiante a influencia movida pela fé na criação. Não, não a creiam barroca, a idéia é outra e suas artérias estão além das paredes dos rótulos.

Jornal A Voz da Cidade: Deborah é um prazer tê-la conosco. “O Divino em nós” é uma série de trabalhos que resultou na exposição que foi à mostra no Espaço Livre (Centro de Arte e Cultura) de Cachoeiras de Macacu. Fale-nos um pouco sobre este trabalho.

Deborah Col Costa:

Tudo é subsídio para viver em arte se você vê pelos olhos da arte, alguém sempre nos mostra algo que pode ser transformado. Uma vez uma menina me ensinou a fazer esses apliques que costumo fazer em roupas e que acabou se transformando em matéria-prima para este trabalho. Os estandartes vieram através de um sonho que tive na primeira noite que passei no hospital com meu filho. Dei-me conta de que sabia bordar e lá bordei aquelas imagens vistas no meu sonho, enquanto eu me vi mãe mentalizando a recuperação do meu filho. Como bordar me ajudou a superar aquela dor! Este trabalho resultou de algo que um dia uma menina me ensinou há alguns anos e que possibilitou a transformação das imagens oníricas em estandartes. O olhar de arte a que me refiro permitiu dar expressão e leveza àquele momento tão delicado, assim aproveitei o bordado como sustentação do “Divino em nós” e porque não da fé na vida durante aquele momento tão difícil.

Jornal A voz da Cidade: Em dado momento conceituais debatiam que a arte só cumpria uma função se engajada em algum contexto, enquanto outros defendiam o oposto, a arte só cumpre sua função enquanto não contextualizada. Como a artista Deborah lida com esta questão?

Deborah Col Costa:

Não tenho o compromisso de fazer algo “certinho” para esta ou aquela pessoa, me comprometo com o que vejo, com meu próprio trabalho e comigo. A expressão é livre. Quando você não tem compromisso você exercita a finalidade de viver com arte. O engajamento que entendo traduz o que é político e é aí, creio, que reside a dificuldade: como fazer arte sem ser panfletário quando a expressão é livre, mesmo que o que se comunica denuncie algo, por exemplo? Este limiar é muito tênue, como saber? Se você está vivenciando o que expressa, mesmo não engajado politicamente você se encontra engajado, mas se você não vivencia, onde está o engajamento por mais que se afirme engajado? É tudo muito paradoxal. Se me permito ousar, há alguns anos atingi este objetivo numa série de trabalhos reunida no Espaço Cultural Sergio Porto na exposição intitulada “os homens do poder”. Apesar de retratar o universo político os trabalhos não refletiam algo panfletário. Mas confesso, é muito difícil, senão raro isentar a arte do engajamento, que neste sentido compreendo político.

Jornal A Voz da Cidade:

Freqüentando casas de exposições renomadas como o Museu de Arte Moderna, o Espaço Cultural Sergio Porto, Casa de Cultura Laura Alvim, Espaço Cultural da Petrobras, Galeria Candido Mendes, como encara o fato de que nestes quinze anos de residência a cidade ainda não tenha reconhecido o devido valor histórico do seu trabalho ao ponto de consolidar uma exposição exclusiva da artista Deborah?

Deborah Col Costa:

Preciso fazer uma ressalva: o não reconhecimento não é das pessoas, inclusive na Secretaria de Cultura o pessoal incentiva o meu trabalho, mas eles não têm autonomia para realizar algo no sentido de consolidar algum apoio. O cachoeirense me reconhece, o poder, na realidade é que não dá oportunidade a ninguém. Fiz apenas duas exposições em Cachoeiras apoiada pela iniciativa privada. Uma no Hotel Fazenda Recanto das Águas e “O Divino em nós”, acolhida com carinho pelo pessoal do Espaço Livre. No mais, até os projetos que apresentei, voluntariamente, sem ônus ao governo municipal foram rejeitados por não haver interesse na realização. Fiquei frustrada, mas enfim, creio que isso seja um produto cultural que não vê na arte a sua relevância. É lamentável, mas é a realidade que nos cerca. Por isso fui à luta e tenho recebido de prefeituras como Nova Friburgo, Paraty, Macaé o abraço reconfortante de um espaço público. Lamento também por tantos outros que como eu só recebe das pessoas o carinho devido, mas não do poder, necessariamente. Ainda exponho na cidade porque gosto muito daqui, mas não espero dos políticos o apoio necessário para desenvolver um trabalho.

Com a inauguração do Centro Cultural acho que a coisa tende a mudar e quem sabe não apareça oportunidade para todos os artistas e artesãos.

Jornal A voz da Cidade:

Burle Marx, que projetou o paisagismo do Aterro do Flamengo com Lotta de Macedo foi um grande admirador da sua obra, conhecendo uma fase outra do seu trabalho. O que ficou daquela fase da artista Deborah?

Deborah Col Costa:

Ele conheceu uma fase em que meu trabalho era muito mais critico, no sentido de que eu denunciava o feio e o que me incomodava. Naquele momento ele viu minhas telas e perguntou à curadora “quem é ele”. Quer dizer, ele identificou uma força masculina que é presente no meu traço. Mas não ficou nada daquela fase além do expressionismo, exceto a força masculina das minhas pinceladas, porque continuo pegando o pincel como se fosse um florete, uma espada ou um punhal. Ainda naquele período me dei conta de que deflagrar o que me agredia, na verdade, abastecia aquele universo e resultava em telas que eu não queria em minhas paredes. Então resolvi me desligar dessa sintonia e redirecionar minha sensibilidade. Radicalmente saí do universo urbano e recebi das matas o abraço sublime que me permitiu um grande encontro comigo mesmo, com a nova fase da minha pintura e com Deus. Aqui minhas telas ganharam uma força suprema cada vez que a natureza surgia dos pincéis. Assim incorporei o paisagismo que, lamentavelmente, Burle Marx não teve tempo hábil de conhecer em meu trabalho.

Jornal A Voz da Cidade: O que foi elementar para a sua saída de Cachoeiras de Macacu?

Deborah Col Costa:

Além de precisar dar visualidade à minha arte, pois por alguns fatores já até mencionados, aqui não obtive apoio para me manter com o meu trabalho, a ausência de luz foi elementar e a degradação ambiental, o que me chocou bastante. Em minha casa no meio da mata não tenho luz. Até certo ponto isso me permitia maior simbiose com a natureza. Procurava pintar nos horários em que podia captar a luz ambiente, alimentava os pássaros de manhã e enquanto eles faziam sua algazarra eu desenhava ali com eles, nossa integração era plena, me sentia plena. Depois comecei a ver que alguns pontos inexplorados da mata já apresentavam sinais de violação e dias antes de me mudar chorei muito ao ver que alguns dos “meus pássaros” estavam mutilados. Alguém tentou captura-los e para se livrarem acabaram se machucando gravemente. Isso me feriu profundamente, chorei bastante. Por fim, quando solicitei a luz para a minha casa, ao me dirigir à CERCI seu novo dirigente me respondeu com as seguintes palavras: “pelo o que você está me dizendo, eu vou te dizer qual é a realidade, o Governo Federal diz que o programa é LUZ PARA TODOS, mas o governo federal dá dez por cento, o governo estadual dá trinta e cinco por cento e os outros cinqüenta e cinco por cento nós da CERCI que temos que proporcionar através dos associados e para proporcionar cinqüenta e cinco sabe quando levaremos luz para você e apenas três ou quatro residências, nunca”. Fiquei decepcionada porque da luz dependia o meu trabalho, eu não tinha condições de ficar pintando à luz de lamparinas. Lembro que respondi, “então eu vou voar daqui, até no Xingu o índio tem luz”. Isso foi o estopim. E saí mesmo, apesar de amar muito esta cidade porque o meu trabalho carece de um suporte, ainda que mínimo, para que eu produza.

Jornal A Voz da Cidade:

Para finalizar, fale sobre projetos futuros, quem é Deborah por ela mesma e sob seu foco, qual é o papel da arte?

Deborah Col Costa:

O projeto é sair por ai e angariar subsídios para os meus trabalhos, além de expor. Em Macaé acontecerá a exposição intitulada “A Criação” onde apresentarei as pinturas, os panos e outras derivações. E procurar viver sempre o lado mais bacana de tudo, pois tudo tem o seu encanto.

Eu por mim mesmo: sou alguém que deseja continuar pintando, tentando viver em arte, sempre me emocionando porque procuro buscar o lado espirituoso das coisas.

O papel da arte: é romper fronteiras e deslocar o artista para outras dimensões. É estar à margem da mesmice, dos laços, do que é certinho, modelar. É liberdade no sentido mais puro da palavra porque seu papel pode mudar tudo, derrubar conceitos, inovar, acrescentar perspectivas até então inexistentes. Se é que posso exemplificar, Oscar Niemayer ilustra isso muito bem. É muito difícil viver em arte, mas é um modo de vida do qual eu não abro mão.

Jornal A Voz da Cidade:

Deborah, muito obrigada por nos proporcionar esse bate papo maravilhoso. Desejamos que o teu trabalho atinja o máximo de expectadores e assim semeie essa luz radiante sempre presente no teu belo ser. Bela irmã, sucesso!

Nenhum comentário:

Postar um comentário