A exploração infantil


Embora o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - tenha sido criado para destituir o antigo Código de Menores, então em vigor durante os anos da Ditadura, hoje a norma de proteção à criança e ao adolescente vigora com prevenções repartidas entre o Estado, a família e a sociedade.

Esta repartição de cuidados traz uma visão inovadora em relação ao antigo Código que alienava o Estado do seu papel de tutor social, cujas responsabilidades para com o menor só encontravam a família como falha ou infratora. Sem dúvida, outros acréscimos foram cruciais para melhorar a legislação, embora este parece ter maior significado para a questão da proteção e do amparo. Hoje não é só “culpada” a família pelos atentados contra a integridade do menor, mas também o Estado e a sociedade.

Devemos fazer uma distinção necessária: há menores e menores, nem tudo é uniforme. Sendo assim, refiro-me cá aos que são vítimas de toda a gama de omissão em relação aos direitos básicos e elementares. Estes são alvo da covardia tanto social quanto estatal e diferentes portanto, dos delinqüentes de má índole.

No Brasil, o trabalho infantil é uma realidade cada vez mais agravada. Vítimas da pobreza e na linha da miséria, muitas crianças e adolescentes abandonam as escolas para ajudarem no rendimento familiar. Outras, nem acesso têm às escolas e labutam desde cedo para colocar “comida em casa”. O mais lastimável, existem também as que abandonam os lares e vão para as ruas à mercê da prostituição, das drogas e da delinqüência. Quanto da pureza se perde em meio às calçadas e às lavouras de latifúndio?

Não adianta o Ministério Público atuar para punir os exploradores da mão-de-obra infantil ou pressionar as famílias a adotarem medidas previstas no ECA se o desamparo à estas continuar deixando sem saída pais desempregados e sem perspectiva de inserção na economia. Igualmente vítimas do desamparo, vêem no trabalho dos filhos uma contribuição importante para a garantia dos “trocados” eventuais.

O problema que parece crucial é que no Brasil tratamos de forma diferenciada a raiz de uma desgraça única que afeta ao mesmo tempo pais e filhos: a linha da pobreza. O mesmo escopo legal que pune os responsáveis (pais e não pais) pela exploração do menor, não ampara as famílias para que seus filhos não pereçam ante a exploração. Temos uma Constituição clara no sentido de proteger a entidade familiar e por ela é direito o salário digno e compatível com educação, moradia, saúde, segurança, transporte, sendo ainda prevista a proteção à maternidade e à infância, além da assistência aos desamparados. Parece piada. Se a Constituição é descumprida, é muito mais cômodo o Ministério Público punir os responsáveis por vias menos dolorosas do que punir o Estado ao fazê-lo cumprir sua própria legislação. Definitivamente, quero chamar a atenção para o fato de que a exploração infantil só resultará controlável (não extinta) quando os nossos guardiãs jurídico-estatais, no caso os Ministérios Públicos adotarem critérios de punição aliados à sérias medidas de indução ao cumprimento de normas que existem no Estado para garantirem o zelo e o bem estar social. Até lá, mobilizar outros mecanismos para erradicar não a doença, mas o sintoma me parece pouco aquiescente para produzir resultados seguros e efetivos. Ao contrário, cria-se uma cultura de privilégios onde desresponsabiliza-se o principal concordante das desgraças infantis. Quantos bambinos ainda precisaremos perder para que alguém acorde?

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